GEOTURISMO E GEOCONSERVAÇÃO NA ROTA DOS TROPEIROS NO PARANÁ

 

Gil F. Piekarz e Antonio Liccardo

Mineropar – Minerais do Paraná S/A

 

A Rota dos Tropeiros é um roteiro turístico implementado recentemente no Paraná, que envolve dezesseis municípios em seu trajeto. Historicamente este é o caminho de ligação entre os produtores de muares no sul do Brasil e a região sudeste a partir do século XVIII, quando então começou o ciclo do ouro em Minas Gerais. Este caminho é rico em história e muitos municípios apresentam, ainda hoje, as marcas deste período como casarios coloniais e a cultura própria do tropeirismo. Uma importante característica deste caminho é a definição de seu traçado, pois as circunstâncias necessárias para o transporte dos animais (pasto, topografia suave...) foram os fatores que determinaram a passagem pelos chamados Campos Gerais no Paraná. Em outras palavras, o caminho das tropas foi traçado naturalmente, não sendo um produto turístico criado artificialmente.

O projeto turístico foi idealizado em 1997 e implementado oficialmente a partir de maio de 2003, numa parceria entre a Secretaria de Estado do Turismo, o Sebrae-PR e a Associação dos Municípios dos Campos Gerais (AMCG). Esta região especial oferece ao visitante vários atrativos geoturísticos,

tanto como paisagem, quanto geomonumentos (afloramentos rochosos), sítios paleontológicos e história da mineração.

O projeto Levantamento de Sítios Geológicos e Paleontológicos ao longo da Rota dos Tropeiros foi criado pela Mineropar em 2005 e pretende integrar a esta rota, já estabelecida turisticamente, a informação geológica e geográfica, contribuindo tanto no incremento de produtos turísticos ofertados na região, quanto com o conhecimento da geologia do Estado do Paraná para a comunidade.

 

 

 

O patrimônio geológico

As áreas de geoturismo e geoconservação, relativamente novas dentro do estudo das geociências, existem há alguns anos nos países da Europa e nos Estados Unidos. Em 1992 foi criado, na Europa, o ProGEO - Associação Européia para a Conservação do Patrimônio Geológico, cujo objetivo geral foi de incentivar a conservação do patrimônio geológico e a proteção de sítios e paisagens de interesse geológico na Europa.

Em 1996, a IUGS (União Internacional das Ciências Geológicas) iniciou o projeto GEOSITES, cuja meta era a elaboração de inventário e base de dados de lugares de interesse para promover a geoconservação. Desde então, serviços geológicos de vários países iniciaram inventários dos pontos de interesse geológico nacionais, definidos como áreas que mostram uma ou várias características de importância dentro da história geológica de uma região. São consideradas nos países mais desenvolvidos como uma parte fundamental do patrimônio natural

Também em 1996, a UNESCO vem preparando o programa Geoparks - áreas protegidas com limites bem definidos que contêm lugares de interesse geológico de especial importância científica, singularidade ou beleza, que são representativos da história geológica de uma região ou de eventos e processos que os formaram.

Em países desenvolvidos, como uma demonstração de respeito ao planeta, os monumentos geológicos são tombados e, muitas vezes, transformados em museus ao ar livre, com a colocação de painéis informativos sobre sua evolução geológica. As rodovias são sinalizadas com placas indicando os pontos de interesse geológico e roteiros, mapas e outros produtos são oferecidos em pontos de venda, oferecendo aos cidadãos a familiarização com a história geológica.

 O Brasil é signatário do Patrimônio Mundial da Unesco, convenção internacional para a proteção de sítios culturais e naturais e,

em 1997, aconteceu a primeira reunião da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP, formada por representantes de dez entidades brasileiras ligadas à geologia, ao meio ambiente, à paleontologia e ao patrimônio histórico.

Há quase uma década atuando, a SIGEP elaborou o livro Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil, relacionando 52 sítios de interesse, nos quais incluem-se o Parque de Vila Velha e o Sítio Paleontológico de Jaguariaíva, que faz parte da Rota dos Tropeiros.

 

Geoturismo

         Considerando-se a evolução da atividade de turismo nas últimas décadas, o termo geoturismo pode ser vinculado ao conceito de desenvolvimento sustentável do turismo. Conforme pesquisa realizada pela Travel Industry Association of America (TIA) e pela National Geographic Traveler em 2002, o geoturismo consolida-se como modalidade de viagem. “Viajantes procuram destinos que preservam a cultura, a ecologia e a paisagem local. Está aumentando, consideravelmente, a quantidade de pessoas interessadas no geoturismo, termo que há pouco tempo identificava um nicho de mercado”. A pesquisa realizada constatou que, nos Estados Unidos, 55 milhões de pessoas se classificam como “geoturistas”.

         Desde a década de 90 o turismo experimenta um processo de crescimento sem precedentes, tornando-se o maior movimento de pessoas já ocorrido na história da humanidade e se revelando também a principal atividade econômica mundial, superando setores tradicionais, como o petrolífero, automobilístico, eletrônico e farmacêutico.

         Este turismo tornou-se mais exigente com o produto, cobrando qualidade, conteúdo e consciência ambiental. Como resultado, verifica-se um crescimento no turismo voltado para a natureza, ou seja, a consciência e a sede de informações sobre o meio ambiente interferindo na escolha dos destinos.

         O geoturismo posiciona-se como elo de ligação entre o ecoturismo, que teve seu auge no final da década de 90, caracterizado pelo contato com a natureza e pela busca de experiências e sensações, e o turismo cultural, cujo principal atrativo é o conteúdo de conhecimentos agregado ao destino turístico, como em museus, igrejas e conjuntos arquitetônicos. A proposta do geoturismo é agregar o conhecimento geocientífico ao patrimônio natural.

         Em pontos turísticos naturais já estabelecidos, como Foz do Iguaçu ou Vila Velha, a informação geológica apresentada de maneira didática e palatável faz com que o turista leve essa informação ao seu país ou local de origem, contribuindo imensamente com a divulgação do ponto visitado, com o acréscimo cultural e aumento da consciência ambiental do visitante e, em última instância, com melhorias na  economia local.

         Outra situação do geoturismo é a possibilidade de transformar um ponto de interesse geológico em atrativo turístico. O melhor exemplo, no Paraná, são as estrias glaciais na Colônia Witmarsun, município de Palmeira, incluído na Rota dos Tropeiros. Um afloramento de arenito mostrando marcas da existência de geleiras no passado da região recebeu a implantação de infra-estrutura da comunidade local e painéis informativos e folders da Mineropar, com a explicação dos processos e eventos geológicos que ali aconteceram. Esse afloramento, antes ameaçado de destruição por falta de informação, passou a ser visitado por turistas, estudantes e visitantes especializados de vários lugares do mundo.

 

O Projeto Geoturismo na Rota dos Tropeiros

 

O projeto em andamento pela Mineropar propõe, fundamentalmente associar as geociências ao turismo e levar o turismo às geociências. Com a integração entre várias instituições que podem contribuir com as pesquisas, como a UFPR, UEPG,  ECOPARANÁ,  PARANÁ TURISMO,  SECRETARIA DA CULTURA,  IAP,  AMCG e prefeituras, a proposta é de realizar o inventário e a difusão dos sítios geológicos e paleontológicos paranaenses, visando a integração da geologia ao turismo com a conseqüente geração de cultura, emprego e renda.

Além do levantamento, alguns objetivos esperados são também a difusão do conhecimento geológico do território paranaense, o fomento à criação de políticas de valorização e conservação deste patrimônio, a geração de empregos para mão de obra local e abertura de áreas potenciais ao turismo geocientífico e a elaboração de material didático para a difusão dos sítios geológicos do Paraná através de mapas, cadernos e folhetos explicativos, elaboração de roteiros geológicos e vídeos.

Geologicamente o trajeto se estende sobre a borda oriental da Bacia Sedimentar do Paraná, envolvendo sedimentos marinhos e glaciais do Paleozóico, vulcanismo do Cambriano e Mesozóico e rochas metamórficas pré-cambrianas. Feições geomorfológicas são o principal atrativo da região, com predominância de canyons, escarpas, relevos de exceção em arenitos e muitas quedas d´água. Antigas minerações de ouro e ferro e presença de águas minerais acrescentam conteúdo histórico e científico ao patrimônio natural.

Levantamentos, realizados em 300km da rota dentro do estado do Paraná, apontaram uma grande diversidade geológica neste trecho e a existência de sítios geológicos de interesse turístico entre os parques naturais já implantados. A abordagem dos processos geológicos e de paleo-ambientes propõe uma continuidade turística ao longo do eixo considerado. Parques geológicos ou geomorfológicos como Vila Velha, Guartelá, Cerrado e Gruta do Monge existentes na Rota dos Tropeiros são interligados conceitualmente por reservas particulares e áreas de proteção ambiental em contextos geológicos semelhantes.

O cadastramento, estudo e divulgação de pontos intermediários aos parques já existentes resultaram numa nova abordagem para o geoturismo nesta região, baseado na continuidade do caminhamento e no aumento do volume de informações divulgado, o que pode resultar no aumento de pontos de visitação.

 

Resultados e expectativas

Entre pontos turísticos já conhecidos, como cachoeiras, canyons, afloramentos rochosos, montanhas e escarpas, e pontos de conteúdo geologicamente didático, como evidências de geleiras, contatos entre diferentes tipos de rocha, falhamentos ou feições vulcânicas, foram cadastrados cerca de 300 pontos de interesse no total, ao longo da rota.

Foram identificadas feições geológicas características em cada município envolvido, como os depósitos glaciais gerando rochas características em Rio Negro e Campo do Tenente, estrias por onde passaram geleiras em Palmeira, marcas de ondas de mar em Porto Amazonas, arenitos formados por derretimento de geleiras em Lapa e Ponta Grossa, arenitos de origem marinha em Balsa Nova, Piraí do Sul, canyons formados pela erosão em Tibagi e Piraí do Sul, vulcões antigos em Castro, a riqueza de fósseis em Jaguariaíva e Ponta Grossa, corredeiras e saltos nos vários rios de toda a região e relevos exóticos explicados por vários processos geológicos em quase todos os municípios.

A existência de um roteiro histórico e turístico já implantado é fator fundamental na implantação do roteiro geoturístico e sugere uma novo direcionamento conceitual para uso em turismo e na manutenção do patrimônio geológico, além da divulgação da informação geocientífica.

A implantação do geoturismo na região envolvida na Rota dos Tropeiros resulta, em última instância, na agregação de valor ao patrimônio natural, incorporando conhecimentos geocientíficos ao turismo. Este processo pode resultar na abertura de novos pontos de visitação turística, em função do conteúdo geológico, a exemplo do que já acontece na Colônia Witmarsun.